domingo, 23 de outubro de 2022

Aroeira

 




Nome Cientifico: Schinus terebinthifolius Raddi. 

Sinonímia Botânica: Sarcotheca bahiensis Turcz., Schinus antiarthriticus Mart. ex Marchand, Schinus mellisii Engl., Schinus mucronulatus Mart. 

Nome popular: Aroeira, Aroeira brasileira, Aroeira vermelha, Aroeira mansa, Aroeira da praia, Aroeira do brejo, Aroeira pimenteira, Aroeira do Paraná e Aroeira do sertão 

Compostos químicos: Alcalóides, flavanóides, óleo essencial, saponinas, taninos, esteroides, esteroidais, vitamina C, caratenoides, capsaicina e triterpenos Atividades terapêuticas: Antibiótica, antifúngica, cicatrizante, balsâmica, anti-inflamatória, depurativa, diurética e hipotensiva. Além disso,é indicada em casos de artrite, febre, hipertensão, micoses e afecções da pele e respiratória. 

 Parte utilizada: Casca seca 

Modo de Preparo: Decocção e tintura 

Contraindicação: Em todas as partes da planta foi identificada a presença pequena de alquilfenóis, substâncias causadoras de dermatite alérgica em pessoas sensíveis. As partículas que se desprendem de sua seiva e madeira seca podem causar uma afecção cutânea parecida com a urticária, edemas, febre e distúrbios visuais. O uso das preparações de aroeira deve ser revestido de cautela por causa da possibilidade de reações alérgicas na pele e mucosas.

Amora

 


Nome Científico: Morus nigra L. 

Sinonímia Botânica: Morus nigra L. 

Nome Popular: Amora, Amora Preta, Amora da Silva 

Compostos Químicos: Flavanóides, aminoácidos, ácidos graxos, frutose, glicose, taninos, sais minerais, ácido ascórbico, ácidos graxos, ácido málico, aminoácidos, caroteno, tritepenos e Fitoestrógenos. 

Atividades Terapêuticas: Possui ação expectorante, emoliente, diurético, cicatrizante, adstringente, reposição hormonal, hipoglicemiante, antidiarreica, anti-inflamatório e antioxidante. 

 Parte Utilizada: Folhas, fruto e caule 

Modo de Preparo: Infusão, pó, tintura e sucos 

Contraindicação: Pessoas com gastrites e úlceras gastrointestinais 

 CURIOSIDADES: A amora diminui os sintomas da menopausa

Arnica Brasileira

 


Nome Científico: Arnica montana L. 

Sinonímia Botânica: Arnica montana L. 

Nome popular: Arnica Brasileira, Arnica, Arnica das Montanhas, Tabaco das Montanhas, Quina dos Pobres, Tabaco-dos-saboianos, Dórico-da-Alemanha, Tabaco-dos-vosgos 

Compostos químicos: Óleo essencial, álcoois terpênicos, ácidos fenólicos, carotenoides, flavonoides, taninos, arnicina, cumarinas, fitosterina (arnisterina),colina, sais de manganês e polissacarídeos. 

Atividades terapêuticas: Ação anti-inflamatória, analgésica tópico, antisseborreica, antimicrobiana, hipotensora, antialérgico,anti-micótico, colagoga, cicatrizante, estimulante, antisséptica e, além disso, é um tônico muscular. 

Parte utilizada: Raízes e flores 

Modo de Preparo: Óleo e compressas Contraindicação: Gestantes, lactantes e pessoas alérgicas. 

 ATENÇÃO: O uso oral/interno da arnica deve ser acompanhado por um profissional devido à sua toxicidade. A dose letal para uma ingestão em humanos foi calculada em torno de 60 gramas.

sábado, 22 de outubro de 2022

Alecrim, alecrinzeiro, romero, rosmarinho, erva da graça, flor do olimpo, rosa-marinha e romerino



 Nome Científico: Rosmarinus officialis L. 

Sinonímia Botânica: Rosmarinus officialis L. 

Nome Popular: Alecrim, alecrinzeiro, romero, rosmarinho, erva da graça, flor do olimpo, rosa-marinha e romerino 

Compostos Químicos: Hidrocarbonetos, flavonoides, ácidos triterpênicos, ácidos oleanólico, ursólico, diterpeno carnosol, ácidos cafeico, clorogénico, labiático, neoclorogênico e rosmarínico, saponina, alcaloides e taninos. 

Atividades Terapêuticas: Antimicrobiano, antiulcerogêncio, antifungica, analgésica colagoga, amtisséptica, nacrótica, emanagoga – estimula a menstruação-. Além disso tem ação anticaspa e previne a queda de cabelo, reduz o estresse e é indicada em casos de bronquite e asma. 

Parte Utilizada: Folhas e flores 

Modo de Preparo: Infusão, preparo de alimentos 

Contra-indicação: Pessoas com problemas gastrenterites, dermatoses, com problemas de próstatas e grávidas

Alcachofra

 


Nome Científico: Cynara scolymus L. 

Sinonímia Botânica: Cynara cardunculus L. 

Nome Popular: Alcachofra 

Compostos Químicos: Possui sais minerais, tais como: cálcio, fósforo potássio, ferro, sódio, magnésio e enxofre, além de ser rico em vitaminas C, B1 e B2, ácido caférico, flavanóides, glicosídeos e cianina. 

Atividade Terapêutica: Colerético, diurético, hipotensor, hepatoprotetor, hipoglicemiante, digestiva, laxante e antirreumática. Indicada em casos de obesidade, hipertensão, como também hipertireoidismo. 

Parte Utilizada: Folhas 

Modo de Preparo: Preparar por infusão  

Contraindicação: Lactantes e pessoas com obstrução das vias biliares e hepatite. 

CURIOSIDADE: A alcachofra favorece o desenvolvimento das crianças, combate a anemia e previne contra o raquitismo

Agrião

 


Nome Científico: Nasturtium officinale. 

 Sinonímia Botânica: Nasturtium officinale. 

Sinonímia Botânica: Sisymbrium nasturtiumaquaticum L.; Cardaminum nasturtium Moench. 

Nome popular: Agrião 

Compostos Químicos: Rico em vitaminas A, B, C, K, iodo, ferro, potássio, cálcio, enxofre e fósforo. Óleos essenciais, glicosídeos, clorofila, carotenos, mirosina e gliconasturcídeo. 

Atividade Terapêutica: Possui atividade expectorante, estimulante, antiasmático, antiescorbútico, antitussígeno, antisséptico das vias aéreas respiratórias, diurético, anti-inflamatória e digestiva. 

Parte Utilizada: Folhas. 

 Modo de Preparo: Preparar por infusão, sucos verdes, consumir em saladas cruas 

Contra-indicação: Crianças com menos de 4 anos, pessoas com inflamações urinárias, duodenal e úlcera gástrica

Aspargo e melindre

 


Nome Científico: Asparagus officinallis L. 

Sinonímia Botânica: Asparagus officinallis L. 

Nome Popular: Aspargo e melindre 

Compostos Químicos: Ácido ascórbico, ácido aspártico, ácido glutâmico, ácido linoleico, alanina, asparagina, asparagosídeo, asparasaponinas, cholina, coniferina, diosgenina, fenol, fitosterol, jamogenina, kaempferol, prolina, quercetina, rutina, sarsapogenina, tiamina, tocoferol, folato, riboflavina, zeaxantina. Além de vitaminas A, B1, B2 e C, potássio, ferro, fósforo, sódio, cobre, enxofre, iodo, magnésio, manganês e zinco e cálcio. 

Atividade Terapêutica: Diurético, sedativo, laxante, anti-inflamatório e estimulante. Como também possui ação adaptogênico, antitussígeno, antioxidante, imunomodulador, antibacteriano, digestivo, citoprotetor e tônico sexual. 

Parte Utilizada: Raiz 

Modo de Preparo: Decocção e extrato 

 Contraindicação: não exitem relatos na literatura

Artemísia, losna, erva dos vermes, absinto, acintro, erva santa, alvina, vermute

 




Nome Científico: Artemísia vulgaris L. 

Sinonímia Botânica: Artemísia vulgaris L.

Nome Popular: Artemísia, losna, erva dos vermes, absinto, acintro, erva santa, alvina, vermute. 

Compostos Químicos: Ácido antêmico, ácido fórmico, ácido isobutírico, ácido succínico, aromadendrino, artemisina, artemose, colina, cumarina, estigmosterol, estragole, fechona, felandreno, fernerol, pineno, saponinas, taninos, tauremisina, terpineno, terpinoleno e terpineol. 

 Atividade Terapêutica: Antianêmica, reumática, sedativa, vermífuga, analgésica, antiespasmódica, anticonvulsiva, anti-inflamatória, antifebril, digestiva, calmante e diurética. Sendo indicado em casos de dores reumáticas, febres, anemias, cólicas intestinais, tônico da circulação sanguínea, cólicas e distúrbios menstruais. 

Parte Utilizada: Folhas secas 

Modo de Preparo: Óleo e infusão 

Contraindicação: Gestantes, lactantes e mulheres em período menstrual. Se utilizado em doses altas, pode causar convulsões, perda da consciência, câimbras, alucinações e aborto

Alcaçuz e Licorice

 Nome Científico: Glycyrhiza Glabra L. 





Sinonímia Botânica: Periandra mediterranea (Vell.) Taub., Glycyrrhiza mediterranea Vell. e Periandra angulata Benth. 

Nome Popular: Alcaçuz e Licorice 

Compostos Químicos: Flavanóides, ácido glicirrízico, saponinas sesquiterpênicas, saponinas triterpênicas, sais de potássio, cálcio e magnésio, ácido uralênico, biosone, enoxolone, flavonas, chalconas e isoflavonóides. 

Atividade Terapêutica: Indicado em casos de gripes, resfriados, asma, bronquire, gastrite, péptica e úlcera, Expectorante, antidepressivos, anti-inflamatório, antioxidante, gastroprotetor, antialérgica, antimicrobiana, laxante e imunomodulador. Parte Utilizada: Raiz e Rizoma 

Modo de Preparo: Decocção, xaropes e tintura 

Contraindicação: Não deve ser utilizado por pacientes com hipertensão arterial e diabéticos tipo II, insuficiência renal, hiperestrogenismo e neoplasias hormônio-dependentes. Não é indicado na gravidez devido à presença de substâncias estrogênicas. Sua administração concomitante com corticoides e ciclofosfamida pode aumentar a atividade dos mesmos. Pode interferir em tratamentos hormonais e terapias hipoglicemiantes

Anis estrelado




 

Nome Científico: Illicum verum Hooker 

Sinonímia Botânica: Illicum anisatum; Illicum san-ki perr 

 Nome Popular: Anis estrelado, Anis-sibéria e Anis-verdadeiro 

Compostos Químicos: Taninos, saponinas, pentosanas, transanetol, aldeídos, cetonas anísicas, cineol, estragol e safrol, mucilagens, açúcares, ácido orgânico siquímico e ácido orgânico protocatéquico e óleo essencial 

Atividade Terapêutica: Antiespasmódica, eupéptica, carminativa, expectorante, antiflatulento, diurético e anti-inflamatório, estomáquico, calmante, vaso dilatador, antidiarreico, alergênico, analgésico, antibacterial, broncosecretolítico, estrogênico, fungicida, pediculicida, mutagênico egalactagogo 

Parte Utilizada: Fruto e semente 

Modo de Preparo: Infusão, óleo e tintura Contraindicação: Grávidas, lactantes, crianças e patologias estrógeno-dependentes

Alho

 Nome Científico: Alilium sativum, L. 





Sinonímia Botânica: Allium pekinense Prokhanov 

Nome Popular: Alho, alhobravo, alho-comum, alho-hortense, alho-manso, alho ordinário e alho-do-reino 

Compostos Químicos: Vitaminas B1, B2, C, niacina, aliina, alicina, alil mercaptano, S-alil-cisteína, compostos γ-glutâmico, dialil sulfeto, ajoeno, adenosina, saponinas, selênio, ácidos fenólicos, inulina, como também ferro, cálcio e fósfoto 

Atividade Terapêutica: Possui atividade antiasmática, anti-hipertensiva, antimicrobiano, antifúngico, antiinflamatória, antirreumática, hipoglicemiante, antihelmíntico,expectorante, antisséptico, pulmonar, tônico, vermífugo, hipoglicemiante, febrífugo, antiplaquetário e antioxidante. 

Parte Utilizada: Bulbo 

Modo de Preparo: Tintura, pó ou inserido na alimentação in natura 

Contra-indicação: Grávidas, lactantes, crianças menores de 2 anos e pessoas com quadro de gastrite, úlcera e pressão baixa. 

 Curiosidade: O alho protege o sistema circulatório, evitando assim doenças do coração.

Alfazema e lavanda




 

Nome Científico: Lavaandula officinalis Chaix 

Sinonímia Botânica: Lavandula vera DC 

Nome Popular: Alfazema e lavanda 

Compostos Químicos: Óleo essencial, linalol, geraniol, cineol, limoneno, cetonas, taninos, aldeídos, cetonas, ácido ursólico, fitosteróis e flavonóides e cumarina 

Atividade Terapêutica: Antisséptica, antiflatulenta, favorece o fluxo biliar, cicatrizante, e relaxante muscular. Aromático, anti-espasmódico, carminativo, sedativo, digestivo, hipotensor, diurético, analgésico, desodorante, refrescante, purificante e repelente de insetos; 

Parte Utilizada: Folhas e flores 

Modo de Preparo: Óleo, infusão, repelente e tintura 

Contra-indicação: Pacientes com úlceras gastroduodenais, hematúria, gravidez e lactação.

Alface





 Nome Científico: Lactuca sativa L. 

Sinonímia Botânica: Lactuca sativa L. 

Nome Popular: Alface 

Compostos Químicos: Rico em vitaminas A, B1, B2, C, niacina, betacaroteno, fibras,em sais minerais como sódio, potássio, fósforo, cálcio, ferro e magnésio. 

Atividade Terapêutica: Possui ação calmante estomacal, do sistema nervoso, diurética, depurativa, laxante, sonífera e também antiácida. 

Parte Utilizada: Folhas 

Modo de Preparo: Inserir na alimentação e preparo de sucos verdes 

Contraindicação: não foi encontrado

Aipo ou salsão






 

Nome Científico: Apium graveolens, L. 

Sinonímia Botânica: Apium graveolens, L. 

Nome Popular: Aipo ou salsão 

Compostos Químicos: Rico em sais minerais: cálcio, sódio, potássio, ferro e fósforo, possui também vitaminas A, B1, B2, C e niacina. 

Atividade Terapêutica: Possui propriedade alcalinizante, antiflatulenta, diurética, estimulante, emenagoga, ou seja, que provoca a menstruação, expectorante, levemente laxativa e tônica, além de ser um excelente coadjuvante no tratamento de inflamações das vias urinárias, gota e reumatismo. 

Parte Utilizada:Talo e folhas 

Modo de Preparo: Inserir na alimentação, preparo de sucos verdes 

Contra-indicação: Pessoas com inflamações renais e diabéticos

Abóbora, abóbora amarela, abóbora-comprida, abóbora-de-carneiro, girimum, jeremum, jerimum e jurumum


 

Nome Científico: Curubita pepo. 

Sinonímia Botânica: Cucurbita pepo ovifera., Cucurbita máxima., Cucurbita moschata., Cucurbita argyrosperma argyrosperma., Cucurbita argyrosperma sororia. e Cucurbita ficifolia. 

Nome Popular: Abóbora, abóbora amarela, abóbora-comprida, abóbora-de-carneiro, girimum, jeremum, jerimum e jurumum. 

Compostos Químicos: Rica em sais mineiras: potássio, zinco fósforo, selênio, cálcio, magnésio, cobre e sódio, vitaminas A, do complexo B e nicacina, esteróides, ácidos graxos insaturados, pectina e proteínas. 

Atividade Terapêutica: Ação tônica, expectorante, anti-inflamatória, anti-helmítico calmante, antioxidante, reduz o colesterol, aumenta a imunidade, vermífugo e também emoliente. 

Parte Utilizada: Fruto, Semente ( Não encontrou nada) 

Modo de Preparo: Introduzir na alimentação, xaropes

Contraindicação: não foi encontrado na literatura Curiosidade: A abóbora viabiliza a produção de um xarope muito eficiente no combate à bronquite.

Abacaxi

 


Nome Científico: Ananas comosus (L) Merril 

Sinonímia Botânica: A. sativus Schultes 

Nome Popular: Abacaxi 

Compostos Químicos: Possui vitaminas A, B1, B6 e principalmente vitamina C, ácido fólico, cálcio, ferro, magnésio, cobre, fósforo, bromelina e enzima proteolítica. 

Atividade Terapêutica: Digestiva, anti-inflamatória, antioxidante, mucolítica, expectorantes e antimicrobiana. Indicado no tratamento de acnes, cravos, psoríase, feridas, distúrbios respiratórios e além disso ela facilita a digestão e reduz os níveis de colesterol. 

Parte Utilizada: Fruta 

Contra-indicação: Gestantes devem evitar porque pode causar menorragia. 

Curiosidade: Os abacaxis que apresentarem mais espinhos nas folhas são menos ácidos

Abacate

 



Nome Científico: Persea americana Mill Sinonímia 

Botânica: Persea americana Miller; Persea gratíssima L. 

 Nome Popular: Abacate 

Compostos Químicos: Rico em vitaminas A, C, E, B6, sais minerais fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, cobre, ferro, manganês, zinco e sódio, rico em proteínas, ácido oléico e b-sitosterol e ácido fólico 

Atividade Terapêutica: Diurético, carminativo, antidiabética, hipolopêmica, anti-inflamatória e antidiarreico. É indicado nos casos de altos níveis de lipídeos. 

 Parte Utilizada: Folha ou fruto 

Modo de Preparo: Infusão ou consumo da polpa do fruto 

Contra-indicações: Grávidas, lactantes e pacientes com cardiopatias e nefropatias devem ter cautela

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

TEMPO, INDIVÍDUO E VIDA SOCIAL






TEMPO, INDIVÍDUO E VIDA SOCIAL*

Maria Helena Oliva-Augusto



Tendo como fio condutor as análises que procuram discutir como se dão as relações que as pessoas mantêm com o seu tempo, este texto busca examinar os vínculos entre tempo, indivíduo e vida social, acentuando, principalmente, as diferenças existentes entre uma vivência orientada pela perspectiva do futuro, característica da modernidade, e outra que, centrada no momento presente, para alguns analistas, indicaria o nascimento de uma nova ordem social. Será também avaliada a hipótese que aponta para a emergência de um novo tempo social dominante e de novas formas de manifestação da individualidade, elementos que caracterizariam o surgimento dessa nova ordem.

***

O tempo social dominante de uma sociedade é aquele que lhe permite cumprir os atos necessários para a produção dos meios que garantem sua sobrevivência, possibilitando a criação, manifestação, realização e atualização de seus valores fundamentais.

Os procedimentos envolvidos nesse processo qualificam aqueles que os utilizam, a sociedade em que vigoram e as relações sociais que desencadeiam. Em cada tipo de coletividade, e em todos os níveis, a satisfação das existentes e a criação de novas necessidades, a transmissão à descendência do modo adequado de ser e da maneira desejável de agir, atribui significados, faz nascer valores que passam a ser compartilhados, constituindo modos de vida e tipos de sociabilidade.

A forma pela qual uma dada sociedade garante a manutenção da vida, expressa no seu modo de produzir, nas regras que a organizam e nas principais atividades exigidas por essa produção, interfere sobre o seu ritmo temporal e indica qual é o tempo que nela predomina. Como as atividades que são secundárias para a definição desse processo articulam-se em torno dele, os tempos sociais em que essas atividades se desenvolvem: articulam-se em torno do tempo social dominante e submetem-se a seu ritmo. (1)

As mais diferentes teorias sociais qualificam a ordem social moderna como "sociedade do trabalho", exatamente porque reconhecem na categoria trabalho sua dinâmica central. O tempo do trabalho – regular, homogêneo, contínuo, exterior, coercitivo, linear e abstrato – é o tempo social nela dominante. Por conseguinte, qualquer dos outros tempos sociais existentes, referentes a atividades que não são determinantes para sua caracterização, é penetrado por esses traços, que adquirem a conotação de identificadores do tempo. Pessoas e instituições lhe estão submetidos, fazendo com que a própria definição de ser social – individual e coletivo – sofra a mediação dos conceitos de trabalho e tempo de trabalho.

Entretanto, atualmente, o trabalho vem sendo questionado como valor central da vida social, tanto objetiva como subjetivamente. (2) É identificada uma crise, ligada ao fim da percepção da categoria trabalho como dimensão qualificadora da sociedade, e do tempo a ele referente, como tempo dominante (3), sugerida a transição para um novo conjunto de significados, a emergência de uma nova ordem e, em decorrência, de um novo tempo social dominante, ainda que não plenamente configurados.

A perspectiva temporal, como a concebemos, só se concretizou quando, além da percepção de um ontem, referente ao passado, e de um hoje, relativo ao presente, tornou-se possível pensar a emergência de um amanhã que pudesse, realmente, representar uma alternativa futura ao que existia. A forma com que nos habituamos a perceber o mundo e nele viver tornou-se vigente somente quando, não apenas individualmente mas também em termos sociais, surgiu a possibilidade efetiva de apreensão dessa tripla dimensão temporal.

Substituindo um andamento cíclico, o surgimento de um tempo tridimensional, marcado pela distinção entre passado, presente e futuro, é um dos elementos qualificadores da vida moderna. O presente identifica o momento no qual, amparada pela experiência do passado e lançando mão da razão, a humanidade projetaria o seu futuro. A própria relevância do tempo "depende[ria] da capacidade de interrelacionar o passado e o futuro no presente" (4 apud 5). A emergência da possibilidade de uma visão histórica do (e no) mundo estaria, portanto, vinculada ao surgimento dessa forma de percepção temporal (6).

Ainda mais importante, a idéia de progresso, a crença no planejamento como controle racional dos processos sociais e na possibilidade de construção de um projeto, coletivo ou individual, só passaram a atuar na orientação das condutas humanas a partir do momento em que o futuro passou a ser prefigurado, almejado, buscado. Dessa forma, a sociedade moderna e seus valores básicos estão referidos à crença na possibilidade de um futuro visualizado no presente e a partir deste construído, de um futuro pressentido como abertura – um possível configurado pela ação humana (7).

Em contraste, atualmente, alguns autores afirmam que a memória histórica já não está viva (8). Para eles, a intensificação crescente do ritmo temporal implica que já não se tenha memória do passado e esteja cada vez mais distante a possibilidade de um futuro. O esforço para manter-se em dia com o seu próprio tempo provoca, nas pessoas, o afastamento dos padrões significativos do passado, sem que suas próprias referências de valor se enraízem; com isso, as perspectivas de um (possível) futuro ficam também obscurecidas. Do mesmo modo, a experiência do passado já não garante a base para atuação no presente.






Beck afirma que, na sociedade contemporânea, entendida por ele como sociedade de risco, "o passado perde o poder de determinar o presente; seu lugar é tomado pelo futuro". Dessa forma, algo inexistente, inventado, fictício aparece como causa de uma experiência atual. "Tornamo-nos ativos, hoje, para prevenir, aliviar ou tomar precauções contra crises e problemas de amanhã e de depois de amanhã" (9) e é notável a rapidez com que ocorre a obsolescência das formas de fazer, de agir e/ou de pensar.

Sua análise ressalta a transformação crucial em curso na própria noção de tempo, acentuando que a consciência do risco repousa não no presente, mas no futuro: em conseqüência, é necessário projetar o que virá depois a fim de determinar e organizar (agora) as ações. Esse segundo ponto deve ser enfatizado: para prevenir riscos, o futuro deve ser antecipado, de forma a gerar ações preventivas no presente. Dessa forma, mesmo considerando que, como no passado, o futuro ainda aparece como dimensão importante, hoje, é o presente o tempo acentuado, enquanto, anteriormente, o futuro a ser construído aparecia como a dimensão temporal forte.

Paralelamente, a destruição do passado surge como um dos fenômenos mais terríveis do século XX – perdem-se os mecanismos sociais capazes de vincular a experiência pessoal da atual geração à das gerações passadas (10). Ao mesmo tempo, os jovens contemporâneos parecem habitar uma espécie de presente contínuo, expresso na vivência repetida do agora, a busca desenfreada do momento atual. Aliás, essa é uma característica da vida contemporânea: a busca intensificada do prazer, a necessidade de viver para o momento, "viver para si, não para os que virão a seguir, ou para a posteridade".

A intensificação dessa percepção do presente é também expressa na idéia de que "a categoria temporal do futuro é suprimida e substituída pela do presente prolongado", um presente ampliado, que passa a absorvê-lo (11). Problemas que, antes, podiam ser remetidos a um tempo futuro, penetram o presente, impõem soluções que poderiam esperar o amanhã, mas exigem ser tratadas hoje mesmo. Dessa forma, o futuro não mais oferece o campo livre para a projeção dos desejos, esperanças e crenças, cada vez mais obscurecido pelas questões do momento, criando uma dinâmica própria do presente, que se torna seu próprio centro (12).

Fala-se na falência da perspectiva do futuro, sentimento disseminado que estaria na raiz do desencantamento e da desesperança que caracteriza(ria)m não só a vivência das novas gerações mas contaminam a totalidade da vida contemporânea. Diferentemente das sociedades tradicionais, centradas no passado, ou daquelas orientadas para o futuro, o presente é(seria), atualmente, cada vez mais privilegiado.

Eis aqui, portanto, o problema: o nosso seria um tempo de dissolução dos elementos que, há pelo menos três séculos, tem constituído a base temporal em que ocorrem os processos sociais. Essa constatação sugere estar em curso uma assustadora re-significação do tempo, caracterizada pela crescente desvalorização cultural do passado, a progressiva perda de perspectiva e de esperança em relação ao futuro, e a acentuação exasperada da vivência do presente, preenchido exaustivamente.

Portanto, não haveria mais passado ou futuro, e, considerando que, sem conexão com o que foi e com o que está por vir, rigorosamente, o presente acaba por não ter existência e que um tempo unidimensional não pode, a rigor, receber essa qualificação, tampouco se poderia falar em presente, pois "um presente eterno não pode ser um presente" (13 apud 5). Essa assertiva aplicar-se-ia tanto aos conjuntos quanto aos indivíduos. Lasch (14), por exemplo, salienta que o homem psicológico do século XX nega o passado e tem dificuldade de enfrentar o futuro, o que acarreta a perda de significado do próprio presente.

Tem sido sugerido que atingimos um momento em que própria sobrevivência da sociedade, da forma que aprendemos a percebê-la, está ameaçada. A desintegração dos velhos padrões de relacionamento humano e, com ela, a quebra dos elos entre gerações, entre passado e presente, foi a mudança mais perturbadora ocorrida no século XX (15). Castoriadis (16), entre outros, já havia tratado de questão semelhante, lembrando a necessidade do restabelecimento desses vínculos, a fim de que não naufraguem os valores da civilização, não se instale a barbárie nas relações humanas e possa ser superada a crise no processo de identificação, que se manifesta atualmente.

Sem dúvida, as alterações que se processam nas formas de produção da vida, por um lado, e na percepção e vivência da temporalidade, bem como na dimensão temporal que é valorizada, por outro, repercutem no processo de constituição dos indivíduos do nosso tempo, na própria maneira como se vêm e àqueles com os quais compartilham o mesmo sentido de tempo.

É necessário lembrar que um dos traços marcantes da relação entre indivíduo e tempo, característica da modernidade, era a possível construção do traçado da própria vida pelos indivíduos. Tratava-se, pois, da afirmação bem sucedida de suas próprias capacidades, implicando que seu futuro podia ser, pelo menos em parte, escolhido livremente, com a ênfase incidindo sobre a escolha livre.

Essa forma de conceber a trajetória individual afastava a crença – atuante desde a antigüidade até o Renascimento –, em um destino inexorável, irrevogável e imutável que, mesmo conhecido previamente, não podia ser evitado, o que exigia das pessoas, para serem bem sucedidas, que atuassem de modo adequado, conformando-se a (e com) ele (17). A idéia da sociedade de/do risco, trabalhada por Beck, traz de volta a idéia do destino, ainda que de forma não idêntica. "Agora, na civilização desenvolvida, existe uma espécie de destino de risco, no interior do qual se nasce, do qual não se pode escapar, com a pequena diferença (que tem um grande efeito) que estamos todos igualmente confrontados com ele." (18).

Presentemente, tem sido com freqüência questionada a possibilidade da existência de pessoas com as qualidades e características louvadas pelo discurso moderno, em seus primórdios: indivíduos capazes de serem livres para alcançarem um grau mais alto de verdade, condição que traduzia o ideal ocidental do que significava ser humano. Em outras palavras, cada vez mais, tem-se duvidado que, em nosso tempo, ainda seja factível a emergência de seres humanos racionais, livres e iguais, nos quais se tenham desenvolvido, de maneira equilibrada, os sentidos de alteridade e de pertença. Pessoas que sejam orientadas para o futuro, capazes de, mediante atos voluntários, sacrificarem a satisfação imediata de seus desejos, em nome da segurança e da preservação - material e moral - da própria existência (19).

Na emergência da modernidade, a habilidade em utilizar a experiência do passado para conhecer o presente e, dessa forma, poder antecipar racionalmente uma sociedade alternativa futura, pela mediação de um projeto transformador, distinguia o indivíduo, era o cerne da manifestação da individualidade. Esta se caracterizava pela capacidade de pensar e de agir autonomamente, de dar início ao novo, pela capacidade de previsão e provisão do próprio futuro e daqueles que eram próximos, tendo um horizonte que ultrapassava, de longe, a expectativa de vida de alguém, tomado isoladamente.

Ainda durante o período da II Grande Guerra, Horkheimer já havia sugerido serem cada vez mais difíceis as possibilidades de planejar o futuro. Acreditava que o "indivíduo contemporâneo pode[ria] ter mais oportunidades do que seus ancestrais, mas suas perspectivas concretas têm prazo cada vez mais curtos, [uma vez que o] futuro não entra rigorosamente em suas transações." (20).

Esse impedimento, já percebido em meados do século XX, desdobrou-se em uma situação incomparavelmente mais complexa, no início do século XXI. Hoje, é difícil visualizar um futuro factível, as perspectivas parecem inexistentes, circunstância vivenciada como ameaça de derrota, unida à sensação do retorno de um destino irrevogável, contra o qual não há oposição possível.

Além dessa, uma outra questão está presente, ligada à crescente dificuldade que as pessoas têm de valorizar o tempo disponível como aquele em que se torna possível a realização de expectativas, a fruição do que se almeja, a expressão de si naquilo que é feito. No mesmo momento em que o valor realização de si emerge como um dos pontos principais de manifestação da individualidade, acentuam-se as contradições inerentes ao processo de individualização contemporâneo, atuante num processo societário que torna a autonomização individual crescentemente impossível.

Explico-me. O indivíduo se efetiva, ao lado da identidade genérica derivada do fato de ser membro da espécie humana, pelo talento e possibilidade que demonstra de cultivar, em si, aquelas qualidades que o tornam único e singular. No século XIX, atingia o status de indivíduo, na acepção forte do termo, aquela pessoa capaz de constituir a si mesma enquanto obra, aplicando-se cotidiana e continuamente ao cultivo daqueles traços que a distinguissem das outras, sem qualquer equívoco. Essa tarefa, simultaneamente estressante e dignificadora, imprimia um sentido à vida de cada um, comportando busca consciente, planejamento deliberado e liberdade de escolha.

Nesse registro, trabalhar era sinônimo de disciplina, dignidade, auto-estima, bem-estar, progresso, conquista de autonomia. Sucesso ou fracasso dependia do tipo de trabalho exercido e da atitude de cada um diante dele. A possibilidade de trabalhar (acreditava-se) estava aberta para todos os que se dispunham a conquistar seu lugar no mundo, (bem) utilizando suas capacidades e habilidades.

A situação atual mudou, em vários sentidos. De um lado, ocorre que, hoje, cada vez mais intensamente, cresce o número de pessoas que, embora procurando trabalhar, não conseguem colocação e não contam com qualquer outra forma de sobrevivência. Assim, ainda que, objetivamente, haja condições para que disponham de mais tempo livre e possam preenchê-lo de forma mais independente, aumenta o número daqueles que, ao invés de tempo livre, vivem um tempo sem ocupação, sentem-se pressionados pela condição de não-trabalho e, portanto, impedidos de crescerem enquanto indivíduos.

Por outro lado, a utilização do tempo livre com atividades prazerosas e significativas – vinculadas ao trabalho, ao estudo, à arte ou ao artesanato – não é mais capaz de preencher as expectativas das pessoas. Aparentemente, a dimensão do consumo ocupa todos os domínios, inclusive o tempo livre.

Ainda no mesmo registro, é possível constatar que o foco preferencial no agora impõe uma vida social em que, quanto mais amigos se têm, menos tempo é possível dedicar a cada um, os relacionamentos são efêmeros, mesmo sendo intensos, os laços sociais são, continuamente, produzidos, reproduzidos e consumidos, e é muito difícil compartilhar narrativas e experiências (21).

***

Tempo, individualidade, vida social. Aparentemente, dizendo respeito a processos ultrapassados, são noções que supostamente já não possibilitam compreender o momento histórico em que vivemos e, em conseqüência, interferir sobre as condições que o constituem. Entretanto, mesmo reconhecendo que as mudanças em curso não permitem, como parecia se dar anteriormente, que a apreensão das situações se processe em noções mais ou menos cristalizadas, é imensa a dificuldade de projetar uma nova percepção do tempo, uma estruturação diversa da vida social, uma noção de indivíduo radicalmente distinta.

Sem dúvida, o momento em curso é crucial. Entretanto, o que talvez deva ser acentuado é que, hoje, está havendo uma radicalização tão intensa das características atribuídas ao tempo, ao indivíduo e à vida social, desde o início dos tempos modernos, que parece alterar sua qualidade. Em conseqüência, diferentemente do que, no passado, era anunciado como condição generalizável, o processo de individualização/individuação está agora restrito àqueles(as) poucos(as) capazes de sucesso na criação de suas personalidades e de atribuição de significado e dignidade às suas vidas.

Diante das questões suscitadas pelas considerações acima, à guisa de conclusão, emprego palavras utilizadas num outro contexto: "No centro (...) [da profunda transformação da vida social contemporânea, de seus valores e significados, e do tempo no qual operam] não está um novo tipo de sociedade, mas um novo tipo de indivíduo, que não cultiva nem a nostalgia de um passado dourado, nem a esperança por um futuro redentor, mas que, possuindo uma 'inflexibilidade treinada para enxergar as realidades da vida', está apto para responder 'às demandas do dia." (22).



Maria Helena Oliva-Augusto é docente e pesquisadora do Departamento de Sociologia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP).





Notas e referências

1 Sue, R. Temps et Ordre Social. Paris: P.U.F., 1994.

2 Offe, C. "Trabalho, a categoria-chave da Sociologia?". In: Revista Brasileira de Ciências Sociais/RBCS, n.º 10, vol. 4 (:5-20), Rio de Janeiro: ANPOCS, junho de 1989. Publicado, em inglês, em Disorganized Capitalism: contemporary transformations of works and politics. Oxford: Basil Blackwell, 1986.

3 Sue, R. Temps et Ordre Social. Paris: P.U.F., 1994, p. 298.

4 Luhmann, N. The Differentiation of Society. New York: Columbia University Press, 1982, p. 276.

5 Adam, B. Time & Social Theory. Cambridge: Polity Press, 1994, p. 23.

6 Heller, A. O Homem do Renascimento. Lisboa: Editorial Presença, 1982.

7 Novotny, H. Le temps à soi: genèse et structuration d'un sentiment du temps. Paris: Ed. de la Maison des Sciences de L'homme, 1992, p. 14.

8 Sue, R. Temps et Ordre Social. Paris: P.U.F., 1994.

9 Beck, U. Risk Society. Towards a New Modernity. London: Sage, 1992, p. 34.

10 Hobsbawn, E. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Traduzido do original Age of extremes: the short twentieth century: 1914/1991, publicado pela Pantheon Books, em 1994, p. 13.

11 Novotny, H. Le temps à soi: genèse et structuration d'un sentiment du temps. Paris: Ed. de la Maison des Sciences de L'homme, 1992, p. 49.

12 Novotny, H. Le temps à soi: genèse et structuration d'un sentiment du temps. Paris: Ed. de la Maison des Sciences de L'homme, 1992, p. 48.

13 Mead, G.H. The Philosophy of Present. La Salle, Ill.: Open Court, 1959[1932], p.11, apud 5, p. 39.

14 Lasch, C. A Cultura do Narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1983. Traduzido do original em inglês The Culture of Narcisism, USA, 1979.

15 Hobsbawn, E. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Traduzido do original Age of extremes: the short twentieth century: 1914/1991, publicado pela Pantheon Books, em 1994, p. 24.

16 Castoriadis, C. La crise du processus identificatoire. Connexions 55, La malaise dans l'identification. Toulouse: Ed. Erès, 1990-1.

17 Heller, A. O Homem do Renascimento. Lisboa: Editorial Presença, 1982, pp. 293-298.

18 Beck, U. Risk Society. Towards a New Modernity. London: Sage, 1992, p. 41.

19 Horkheimer, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. Traduzido do original em inglês Eclipse of Razon. New York: Oxford University Press, 1974.

20 Horkheimer, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976. Traduzido do original em inglês Eclipse of Razon. New York: Oxford University Press, 1974, p. 151.

21 Wittel, A. "Toward a Network Sociality". In: Theory, Culture & Society, vol. 18(6): 51-76. London: Sage, 2001, pp. 51-76.

22 Brubaker, R. The Limits of Rationality. An Essay on the Social and Moral Thought of Max Weber. London: Routledge, 1991, p. 112.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Benzeção como recurso em saúde: estudo transversal com idosos moradores de área rural





Benzeção como recurso em saúde: estudo transversal com idosos moradores de área rural

Stephanie JesienLuana Patrícia MarmittRodrigo Dalke Meucci

RESUMO
OBJETIVO

Estimar a prevalência e os fatores associados à procura de benzedeiras para tratamento de problemas de saúde entre idosos residentes na área rural do município do Rio Grande-RS.
MÉTODOS

Estudo transversal, de base populacional com amostragem aleatória, realizado no ano de 2017. O desfecho foi analisado em três categorias (nunca usou/usou nos últimos 12 meses/usou há mais de 12 meses). Para análise dos fatores associados foi utilizada regressão logística multinomial.
RESULTADOS

Foram entrevistados 1.030 idosos. As prevalências da procura por benzedeira nos últimos 12 meses e há mais de 12 meses foram de 9,5% e 15,8%, respectivamente. Na análise ajustada, as características associadas à utilização de benzedeira há mais de 12 meses foram: estar na faixa etária de 80 anos ou mais e ter problemas de coluna e artrose. Seguir a religião evangélica foi identificado como fator de proteção para a utilização desse recurso. Já a procura por benzedeira no último ano esteve relacionada com a faixa etária dos 70–79 anos, seguir religiões espiritualistas, presença de doença nos últimos 12 meses, problemas na coluna e artrose e preferência por utilização de serviços de urgência e emergência. Sexo feminino permaneceu associado apenas à utilização há mais de 12 meses.
CONCLUSÃO

Este estudo traz uma contribuição original a um tema pouco avaliado em estudos epidemiológicos, pois o conhecimento da frequência e dos determinantes da busca por esse tipo de terapia popular, pode ser utilizado para melhorar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde oferecidos à população idosa de áreas rurais.

Idoso; Terapias Complementares; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Medicina Tradicional; Saúde da População Rural

INTRODUÇÃO

A utilização de serviços de saúde se dá na relação entre necessidade percebida pelo indivíduo e a oferta desses serviços. Entretanto, em áreas rurais, o acesso a esses atendimentos tende a ser menor, em função das grandes distâncias de centros urbanos, menor oferta de profissionais de saúde, dificuldades financeiras e de transporte, assim como baixa adesão a planos de saúde 1 , 2 .

Assim, historicamente, a população residente de áreas rurais procurou alternativas mais acessíveis para cuidar da saúde, dentre elas, está a benzeção, que é definida como o ato de benzer. Utiliza rituais com rezas, algumas vezes também com o uso de plantas medicinais, podendo fazer uso de chás, pastas de uso tópico ou até mesmo o ato de tocar o indivíduo com ramos para administrar a cura 3 . Trata-se de uma prática antiga, originada da mistura de culturas e etnias (índios, colonizadores europeus e negros) 4 , que emergiu em meio ao catolicismo popular. Majoritariamente praticada por mulheres e transmitida de geração em geração ou recebida como um “dom divino”, tem como característica sua gratuidade financeira 5 , e recorre-se a ela para tratar enfermidades, problemas espirituais e emocionais 6 , 7 .

A benzeção faz parte da medicina tradicional e complementar, definida como um conjunto heterogêneo de práticas, saberes e produtos que não pertencem ao escopo da medicina convencional 8 . No Brasil, várias práticas integrativas e complementares em saúde (PICS) passaram a integrar o Sistema Único de Saúde (SUS) e estão presentes em portarias do Ministério da Saúde desde 2006. Atualmente, apesar de 29 modalidades de tratamento serem reconhecidas no SUS, os serviços prestados por benzedeiras não integram a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPICS) 9 . Entretanto, no município de Sobral-CE, as benzedeiras foram incorporadas às equipes de profissionais de saúde como agentes não formais de saúde que auxiliam na detecção de doenças e nos encaminhamentos aos serviços de saúde 10 .

A prática da benzeção, aplicada desde muito tempo, tem sua frequência de utilização pouco conhecida. A maioria dos estudos brasileiros sobre o assunto é focada na trajetória e atuação das benzedeiras 4 , 11 ou trazem a procura por esse tipo de terapia como desfecho secundário em meio a utilização de práticas integrativas 12 . Um estudo transversal realizado em Minas Gerais, com objetivo de quantificar a medicina complementar alternativa, relatou que 15% dos indivíduos com 18 anos ou mais tinham utilizado os serviços de benzedeiras alguma vez na vida 7 . A prevalência foi praticamente a mesma (14,5%) entre adultos maiores de 18 anos em um centro de referência que realiza tratamento para indivíduos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) 13 .

Desse modo, o objetivo deste estudo é estimar a prevalência e os fatores associados à utilização dos serviços de benzedeiras para tratamento de problemas de saúde em uma população de idosos residentes na área rural do município do Rio Grande, RS.
MÉTODOS

Estudo transversal de base populacional, realizado entre abril e outubro de 2017, na área rural do município de Rio Grande-RS. Estima-se que, em 2017, a cidade tivesse 209.375 habitantes, cerca de 4% deles vivendo na zona rural 14 . Este estudo fez parte de um estudo maior intitulado “Saúde da população rural rio-grandina”, que teve como objetivo conhecer os indicadores básicos de saúde, o padrão de morbidade e a utilização dos serviços de saúde em crianças menores de cinco anos e suas mães, mulheres em idade fértil (15 a 49 anos) e idosos (60 anos ou mais). Para este trabalho focalizou-se o último grupo, de idosos com 60 anos ou mais.

O cálculo do tamanho amostral necessário ao estudo da prevalência da utilização do serviço de benzedeiras considerou os seguintes parâmetros: prevalência estimada de 15% para utilização de benzedeiras 8 , nível de confiança de 95%, margem de erro de 2 pontos percentuais e acréscimo de 10% para perdas e recusas, resultando em 638 indivíduos. Para o exame dos fatores associados, considerou-se um poder estatístico mínimo de 80%, nível de confiança de 95%, razão não expostos/expostos variando entre 54:46 a 80:20, razões de prevalência de 1,7 e o acréscimo de 15% para controle de fatores de confusão. De acordo com esses parâmetros, seriam necessários 874 indivíduos.

Considerando que a área rural do município do Rio Grande é constituída por 24 setores censitários com cerca de 8.500 habitantes distribuídos em aproximadamente 2.700 domicílios permanentemente habitados 14 , foi utilizado um processo de amostragem aleatório sistemático de modo a selecionar 80% dos domicílios. Isso foi feito a partir do sorteio de um número entre “1” e “5”. O número sorteado correspondeu ao domicílio considerado pulo. Por exemplo, no caso do número “3” ter sido sorteado, todo domicílio de número “3” de uma sequência de cinco domicílios não era amostrado, ou seja, era pulado. Esses procedimentos garantiram que fossem amostrados quatro em cada cinco domicílios. Os critérios de inclusão para participar do estudo foram: morar na zona rural do município de Rio Grande e ter 60 anos ou mais. Foram excluídos todos os indivíduos institucionalizados em asilos ou hospitais.

As perguntas utilizadas para caracterização do desfecho, foram testadas a partir de um estudo pré-piloto com intuito de testar a compreensão dos idosos acerca do questionário. Após essa escuta, foram então utilizadas as seguintes perguntas: “Alguma vez na vida o(a) sr. (a). procurou por benzedeira, benzedeiro, curandeiro ou rezadeira para tratar de um problema de saúde?”, se sim, “Quando foi a última vez (anos/meses) que o (a) sr. (a). procurou por benzedeira ou curandeiro?” Foi considerado positivo para o desfecho aqueles idosos que afirmaram ter procurado a benzedeira ou curandeiro por motivo de saúde alguma vez na vida. Os idosos que procuraram por benzedeira nos últimos 12 meses foram perguntados sobre: procura por profissional de saúde; indicação da procura por profissional de saúde pela benzedeira; satisfação com a benzeção; pagamento em dinheiro; e o motivo da procura pela benzedeira.

Ademais foram investigadas características sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, com quem reside e religião) e aspectos de saúde: tipo de serviço de saúde de preferência (unidade básica de saúde, consultório médico, pronto atendimento, outras), diagnóstico médico na vida de: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus , osteoporose, doença na coluna, artrite ou artrose. Também foi perguntado se o idoso esteve doente nos últimos 12 meses.

A coleta de dados foi realizada por entrevistadoras treinadas, selecionadas e acompanhadas por supervisores de campo. Os questionários eletrônicos foram aplicados por meio de tablets utilizando o programa RedCap 15 .

Inicialmente, para a análise dos dados, foi feita uma descrição da amostra estudada. A variável desfecho foi operacionalizada em três categorias: “nunca procurou”, “procurou nos últimos 12 meses” e “procurou há mais de 12 meses”. A seguir, apresentou-se a distribuição do desfecho conforme as categorias das variáveis independentes. Para exame dos fatores associados, realização de análise bruta e ajustada, foi utilizada a regressão multinomial para evitar a perda de informações com a simples dicotomização do desfecho.

Dessa forma, o desfecho foi mantido em três categorias não ordenadas. Com isso, foi considerado a categoria “nunca procurou” (pela benzedeira) como a categoria de referência. Para a análise ajustada, elaborou-se um modelo hierárquico para controle de fatores de confusão 16 .

No primeiro nível (mais distal), foram incluídas as variáveis demográficas e socioeconômicas (sexo, idade e escolaridade); no segundo, as variáveis religião e com quem vive. No terceiro nível, a variável relacionada a ter ficado doente nos últimos 12 meses, presença de doenças crônicas (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e osteoporose), doença na coluna, artrite ou artrose. E por fim, no 4° nível (proximal), o tipo de serviço de saúde de preferência do idoso. As variáveis de cada nível ajustaram-se no mesmo nível e para o nível superior. Aquelas com um valor de p < 0,20 foram mantidas no modelo para controlar possíveis fatores de confusão. O nível de significância empregado foi de 5% para testes bicaudais. As análises foram feitas utilizando-se o pacote estatístico Stata, versão 14 ® .

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande, sob o parecer Nº 51/2017, processo 23116.009484/2016-26, sendo assegurado o sigilo das informações individuais dos participantes. Todos os idosos tiveram garantido seu direito de recusa a participar da pesquisa. Os que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado e, só então, foi aplicado o questionário.
RESULTADOS

Foram amostrados 1.131 idosos tendo sido entrevistados 1.030, o que resultou em uma taxa de 8,9% de perdas e recusas. Na amostra estudada, predominaram indivíduos do sexo masculino (55,15%) e 51,4% dos entrevistados possuíam idade entre 60 e 69 anos. A maioria tinha até quatro anos de estudo e um pouco mais da metade (55%) declararam-se católicos. Do total da população estudada, 44,9% possuíam pelo menos uma doença crônica (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus ou osteoporose), 27,9% relatou ter alguma doença na coluna ou artrose e 19% apresentava a associação dos dois problemas de saúde. Cerca de um quarto (23,8%) relatou ter estado doente no último ano e 8,5% dos idosos relataram preferência pela utilização de serviços emergenciais quando necessitavam de algum serviço de saúde ( Tabela 1 ).




Tabela 1
Descrição da amostra de idosos residentes da área rural de Rio Grande, com variáveis sociodemográficas, sociais, econômicas e comportamentais e a distribuição da prevalência da procura por benzedeira entre categorias. Rio Grande-RS, 2017 (n = 1.030).

As prevalências da utilização dos serviços de benzedeira nos últimos 12 meses e há mais de 12 meses foram de 9,5% e 15,8%, respectivamente ( Tabela 1 ). As principais características que diferiram aqueles que nunca procuraram uma benzedeira daqueles que o fizeram alguma vez (nos últimos 12 meses ou há mais de 12 meses) foram: idade; maior proporção de evangélicos; menor proporção de autorrelato de problema na coluna e/ou artrose e de doença no último ano; e maior utilização de serviços ambulatoriais ( Tabela 1 ).

Apresentaram maior ocorrência de recorrer aos serviços de benzedeira nos últimos 12 meses os idosos com idade entre 70–79 anos (RP = 1,75; IC95% 1,11–2,76), espiritualistas – espíritas, candomblecistas, umbandistas (RP = 2,47; IC95% 1,13–5,36) –, que adoeceram no último ano (RP = 1,96; IC95% 1,23–3,14), que tinham algum problema na coluna e artrose (RP = 2,71; IC95% 1,48–4,95), e aqueles que preferem buscar atendimento em serviços de urgência e emergência (RP = 2,26; IC95% 1,14–4,45) ( Tabela 2 ).




Tabela 2
Razão de prevalência bruta e ajustada para associações entre utilização da benzedeira no último ano e há mais de um ano e as variáveis independentes. Amostra de idosos residentes da área rural. Rio Grande-RS, 2017 (n = 1.012).

Em relação à procura há mais de doze meses pelos serviços de benzedeira, ser do sexo feminino (RP = 0,68; IC95% 0,48–0,97) e evangélico (RP = 0,46; IC95% 0,22–0,96) foram fatores que contribuíram para a não procura pelo serviço de benzedeira. No entanto, os indivíduos com 80 anos ou mais (RP= 1,95; IC95% 1,24–3,06) e aqueles com problema de coluna e artrose (RP = 2,78 IC95% 1,73–4,48) apresentaram maior probabilidade de ter procurado o serviço há mais de um ano ( Tabela 2 ).

A Tabela 3 descreve algumas características do atendimento das benzedeiras nos últimos 12 meses. Cerca de 63% dos indivíduos também procuraram um profissional de saúde, enquanto 42,7% relataram que a benzedeira recomendou a procura por atendimento em serviços de saúde. Mais de 90% estavam satisfeitos com o resultado do atendimento recebido. Também foi perguntado o motivo pelo qual os indivíduos buscaram pela benzedeira e 65% deles responderam que foi “porque acreditam” ou “tem fé” nos dons da benzedeira.







Tabela 3
Caracterização da utilização do serviço prestado por benzedeiras entre idosos residentes da área rural para tratar problemas de saúde no último ano. Rio Grande-RS, 2017 (n = 96).


DISCUSSÃO

Este estudo demonstrou que aproximadamente 10% dos idosos utilizaram os serviços de benzedeiras nos últimos 12 meses e 16% deles há mais de 12 meses. As características comumente associadas à utilização em ambos os recordatórios foram idade, religião e problema de coluna e/ou artrose. Relato de doença no último ano e procura preferencial por serviços de urgência e emergência foram associadas apenas à utilização nos últimos 12 meses e a variável sexo permaneceu associada apenas à utilização há mais de 12 meses.

Alguns estudos de diferentes países avaliaram a prevalência da utilização da medicina alternativa. Em Portugal, foram comparadas as prevalências da utilização desses métodos entre moradores da zona urbana e rural (25% e 75%, respectivamente). Os mais utilizados foram: manipulação óssea (em ambas as áreas), seguido por feiticeiros (curandeiros) e chás nas áreas rurais, e acupuntura e chás nas áreas urbanas 17 . Na Ásia, foram encontradas prevalências de 21,7% e 12,2%, respectivamente, da utilização de curandeiros para o tratamento de diarreia e insuficiência respiratória aguda em menores de 5 anos 18 . Na África do Sul, em um inquérito populacional, foi encontrada uma prevalência de 2,4% de utilização de curandeiros entre os portadores de algum tipo de transtorno mental 19 .

Em um estudo piloto, realizado com trabalhadores rurais (18 anos ou mais) nascidos no México que residiam na Carolina do Norte, a prevalência de procura por curandeiros foi de 41% 20 . A comparabilidade entre as prevalências descritas na literatura internacional requer cautela, visto que as diversas práticas curativas existentes estão ligadas a tradições culturais e possuem fundamentos e particularidades diferentes dependendo da região em que são aplicadas 21 .

Estudos realizados em Minas Gerais, no município de Montes Claros, avaliaram a prevalência da utilização de PICS em diferentes populações. Entre os maiores de 18 anos, 15% haviam utilizado os serviços de benzedeira alguma vez na vida 7 . Em outro estudo, indivíduos portadores de transtornos mentais comuns utilizaram significativamente mais os serviços de uma benzedeira, quando comparados aos não portadores 12 . Em uma amostra de conveniência, composta por indivíduos soropositivos, encontrou-se uma prevalência de 14,5% para utilização de benzedeiras e 78,5% para o uso de PICS 12 .

A predominância do sexo masculino na amostra deste estudo difere dos dados nacionais que apontam uma maioria de mulheres idosas no Brasil. No entanto, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Censo de 2010) para área rural de Rio Grande, a população de homens era maior do que a de mulheres, sendo, portanto, uma característica da população-alvo avaliada 13 .

A idade determina a utilização dos serviços de benzedeiras de diferentes modos, conforme o recordatório avaliado, possivelmente, há um efeito de coorte no qual indivíduos com 70–79 anos buscam mais a benzeção para seus problemas de saúde, tendendo a reduzir a procura a partir dos 80 anos. Estudos mostram que além de apresentarem piores condições de saúde, idosos nessa faixa etária residentes em áreas rurais tendem a menor utilização de serviços de saúde, devido a barreiras de acesso maiores 1 .

Dentre os fatores determinantes para a escolha por práticas de saúde está a religião. As de cunho espiritualista (espiritismo, candomblé e umbanda), aumentam a probabilidade de um idoso utilizar os serviços de benzedeiras nos últimos 12 meses, achado que pode ser explicado devido à origem da benzeção, que vem da mistura de crenças católicas europeias, africanas e indígenas 10 , 11 . As benzedeiras que fazem parte das subculturas de cuidado em saúde (especificamente dentro do setor popular) tratam de perturbações que atingem não apenas o corpo, a esfera física, mas estão relacionadas a questões sociais, psicológicas e/ou espirituais que afetam a vida cotidiana como um todo 22 . Desse modo, esses indivíduos não apenas acreditam mais nos serviços das benzedeiras, como tendem a ter aceitação dessas práticas dentro de suas religiões.

Entre os evangélicos, a menor probabilidade de busca por uma benzedeira na vida decorre do fato de religiões pentecostais não recomendarem a prática 5 . Além disso, é possível que os evangélicos possam ter omitido a informação de que buscaram benzedeiras devido às recomendações de suas religiões. Assim, a prevalência do desfecho nesse grupo pode estar subestimada.

A associação significativa entre o relato de ter estado doente no último ano e a procura por benzedeiras nos últimos 12 meses pode ser decorrente das barreiras encontradas para acessar os serviços de saúde, como dificuldades para encaminhamentos, elevado tempo de espera para atendimentos especializados e tratamentos propostos, sejam eles medicamentosos ou não, podendo levar os idosos a buscar uma alternativa de saúde mais acessível 23 .

Problemas na coluna e artrose se mostraram fortemente associados ao desfecho em ambos os recordatórios por serem condições crônicas e/ou recorrentes e que frequentemente levam à limitação ou incapacidade. Conhecer o uso de certas terapias complementares, em especial a benzeção, utilizada pela população idosa, é uma preocupação, pois o uso indevido dessas ações pode provocar danos, por vezes irreversíveis na qualidade de vida dos pacientes. Somado a isso, temos a ocorrência dessas condições de difícil manejo nos serviços de saúde que levam a encaminhamentos para exames e tratamentos muitas vezes disponíveis apenas em áreas urbanas e com filas de espera 4 , 22 , 23 .

A preferência pela utilização de serviços de urgência ou emergência também esteve associada a uma maior probabilidade de procurar pela benzedeira no último ano. Uma pesquisa realizada em um hospital de Porto Alegre sugere que muitos idosos portadores de doenças crônicas optem por serviços de emergência em detrimento de outros, manifestando necessidade de cuidados de alta complexidade no momento da agudização 26 . Além disso, devemos considerar que a benzedeira, por ser uma opção terapêutica próxima (maioria delas residentes nas comunidades em que prestam atendimento) e sem custo, podem ser procuradas como primeira opção de tratamento 4 . Se não resolutiva, a consequência desse atraso na busca pela medicina convencional é o agravamento da doença, restando ao idoso buscar por serviço de urgência e emergência, comprovando a relação entre a procura pelos serviços de saúde e a agudização de uma condição ou doença. Assim, idosos com esse perfil também tendem a utilizar mais os serviços de benzedeiras, talvez por serem uma opção terapêutica próxima e com vínculo com a comunidade 4 .

O alto nível de satisfação dos idosos com a terapia oferecida pela benzedeira ou curandeiro pode ser influenciada por alguns fatores como linguagem acessível, interação com a comunidade e o cuidado em saúde ofertado, sem retribuição financeira. Isso diferencia essa terapia das consultas convencionais de saúde 6 , podendo, muitas vezes, resultar em conforto e força para o enfrentamento da enfermidade do indivíduo 24 .

Os achados deste estudo mostram que a maioria dos indivíduos que utilizaram serviços de benzedeiras, também procuraram por um profissional de saúde. Dentre os que utilizaram benzedeira e serviço de saúde, uma parcela teve recomendação da própria benzedeira para procurar um profissional de saúde convencional (como relatado em outros estudos) 4 , 10 . Entretanto, por se tratar de um estudo de delineamento transversal, esta pesquisa está suscetível à causalidade reversa 28 , não permitindo afirmar se esses indivíduos procuraram a benzedeira antes ou depois da terapia ofertada por profissionais da saúde. Em um estudo qualitativo realizado com benzedeiras em um município localizado no interior do Rio Grande do Norte, foi reconhecido pelas benzedeiras a importância do uso concomitante da medicina à sua prática, mostrando-se disponíveis a contribuir com o sistema oficial de saúde por meio de encaminhamentos e reconhecimento da importância desse sistema 4 .

Todo indivíduo tem o direito a tomar suas próprias decisões em relação as suas necessidades no processo saúde-doença 27 . Em estudos qualitativos, profissionais da saúde afirmaram que a utilização de cuidados populares junto ao tratamento profissional de saúde, poderiam trazer efeitos benéficos à saúde do indivíduo doente e que esse comportamento não causaria necessariamente a diminuição pela busca dos serviços de saúde, tornando-se uma alternativa complementar ao tratamento biomédico 25 , 26 .

No entanto, deve-se considerar também que a benzeção pode desencadear conflitos quanto às condutas médicas nos casos em que o paciente recorre à cura espiritual, deixando de lado a medicina convencional 27 . Nos casos de oposição ao tratamento que as instituições de saúde propõem ou demora para procura de profissionais da saúde capacitados pode haver agravamento do quadro clínico ou mesmo fazer com que o paciente procure um serviço médico especializado apenas em momentos de gravidade, aumentando os riscos sobre a saúde e também os custos do serviço 29 . Por isso, é importante a atenção da equipe de saúde a essas outras formas de apoio que o paciente possa buscar, reconhecendo as distintas práticas de cura dentro de um mesmo território.

Esta investigação traz uma contribuição original a um tema muito pouco avaliado em estudos de base populacional. Ainda que não haja evidências científicas da sua eficácia no tratamento de diversos desfechos em saúde, a benzeção é ainda utilizada pela população em virtude da crença 24 . É importante que o sistema de saúde possa reconhecer a ação das benzedeiras como forma de consumo em saúde, com impacto não somente sobre um ser individual ou em pequenos grupos, mas sobre toda a população. Deve-se reconhecer que o indivíduo não se resume a aspectos fisiológicos, é também dotado de crenças, hábitos e costumes de uma rede cultural própria 4 .

Considera-se, portanto, relevante a realização de mais estudos sobre o tema em diferentes populações e regiões do país, de modo a aprofundar o conhecimento sobre a frequência e os determinantes da utilização de benzeduras, bem como de outras terapias populares. Procurando tornar possível o reconhecimento e a identificação das implicações de crenças culturais e sociais no processo saúde-doença, ampliando o cuidado para além da dimensão biológica de uma população. Ponderar a respeito das singularidades e particularidades dos cuidados em saúde utilizados pela população pode ser uma ferramenta útil para melhorar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde oferecidos à população, sobretudo, no âmbito da atenção básica.

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